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Ulisses - A Ciclópia

Page history last edited by Inpi 10 years, 2 months ago

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Ulisses

III A Ciclópia

     Lá iam a caminho de Ítaca, pelo mar fora, vencendo vento e vento através de onda e onda.

     De súbito, começaram a notar que o navio estava a ser arrastado por uma estranha corrente submarina que os ia levando para onde eles não queriam ir. E de tal maneira que, se acaso obrigassem o navio a seguir a direcção que pretendiam, este corria o risco de se virar. Então Ulisses decidiu:

     - Não vale a pena resistirmos agora. Deixemo-nos ir nesta corrente, e quando ela abrandar, retomaremos o rumo de Ítaca.

     Assim fizeram. Mas a corrente não abrandava nunca.

        Aumentava

            Aumentava

                  Aumentava…

     Já iam longe de tudo, mesmo de encontro ao desconhecido. Começaram a avistar terra: era uma ilha onde o navio calmamente aportou. Aí já a corrente misteriosa abrandara. Ulisses olhou em volta e, de repente, deu um grande grito:

     - Ai, meus amigos, onde nós viemos parar!

     - Onde foi? Onde foi? – perguntaram os marinheiros, aflitos.

     - Olhem, viemos parar à Ciclópia, às ilhas da Ciclópia. Mas esperem, se não me engano, tivemos uma sorte espantosa!

     - Uma sorte espantosa? – Admiraram-se os marinheiros.

     - Sim – explicou Ulisses. – Aqui é realmente o arquipélago da Ciclópia. Tudo neste lugar é gigantesco, é ciclópico: os animais, as plantas, as pedras…Os seus habitantes são os ciclopes, espécies de gigantes com um só olho no meio da testa, e que são devoradores de homens…

     - Devoradores de homens? – Gritaram os marinheiros, espavoridos.

     - Sim, mas acalmem-se, porque esta é a única ilha desabitada, já aqui passei uma vez ao largo, e sei isso muito bem.

     Todos sossegaram então um pouco, e como realmente não aparecesse ninguém por ali, resolveram sair e ir apanhar alguma fruta fresca, beber água pura!

   

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 Aventuraram-se também a percorrer a ilha deserta. Mas antes de saírem, Ulisses lembrou que era melhor levarem um pequeno barril de vinho que traziam no navio, pois podia apetecer-lhes. Assim fizeram.

     Continuaram a explorar a ilha, todos contentes e cada vez mais descansados. A certa altura, depois de terem subido uma pequena colina, ao descerem a vertente do lado de lá, viram-se de repente no meio de um enorme rebanho de ovelhas, cabras e carneiros. E o pior de tudo é que avistou mesmo no meio do rebanho, sentado num rochedo altíssimo, um ciclope formidável!

     Ele estava tão entretido a aparar um tronco de árvore para fazer uma flauta, como é hábito os pastores fazerem de palhinhas, que nem deu por eles.

     Apavorados, quiseram fugir. Mas era tarde, pois se tentassem votar para trás e o ciclope os visse, o que era quase inevitável, nem um bocadinho se lhes aproveitava! Esconderam-se então no meio de rebanho, e como reparassem que ali ao lado havia uma entrada de uma gruta enorme, para lá se dirigiram todos rastejando com muita cautela para o monstro não os ver.

     Chegaram à gruta e lá dentro respiraram. Pelo menos por uns tempos estavam a salvo, pois o ciclope não os tinha pressentido. Agora pergunto-vos eu: e os ciclopes, existem? Os ciclopes existiam, sim, mas na imaginação dos primeiros marinheiros. Eles não conheciam bem o mar, acreditavam em correntes misteriosas, em deuses que protegiam ou perseguiam os homens, em monstros, em sereias que encantavam com a sua voz doce…Inventavam razões para os naufrágios, deixavam correr livremente a sua imaginação! O ciclope era para os Gregos destes tempos, o mesmo que o gigante Adamastor foi para os Portugueses: duas imagens criadas por dois poetas, Homero e Camões, para nos falar do medo do desconhecido.

     Mas voltemos a Ulisses e os seus companheiros. Lá dentro da gruta combinaram que, ao começar a cair a noite se escapariam em direcção ao navio e fugiriam dali a sete pés, porque afinal aquela ilha também era habitada, e por UM CICLOPE enorme!

     Ulisses pensava: “ – Como é possível que haver aqui um ciclope? O que terá acontecido? Muito eu gostava de saber!”

     Ele realmente não sabia o que eu vos vou contar: Ulisses tinha razão quando pensara que ali não havia ciclopes, pois eles habitavam mesmo em todas as outras ilhas do seu arquipélago da Ciclópia. Mas havia entre eles um que era

Mais forte que todos

Mais cruel que todos

Mais bravo que todos

 

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E que era o terror de todos! Chamava-se Polifemo e tinha um mau génio horrível! Zangava-se por tudo e por nada, e depois dava murros para

a esquerda

murros para

a

direita,

e já só havia por aquelas paragens ciclopes de cabeças partidas, braços ao peito, pernas cheias de nódoas negras, sem dentes – um horror! É verdade que o Polifemo arrependia-se, mas o mal já estava feito.

     Então os ciclopes tinham-se reunido e dito para o Polifemo:

     - Olha, é melhor é tu viveres sozinho. Nós levamos-te o rebanho para aquela ilha deserta de além, e tu vives lá.

     Assim foi. Todas as noites se ouvia:

     - Estás bom, Polifemo?

     - Estou. E vocês?

     - Estamos bem. Boa Noite!

     - Boa Noite!

     E pronto: já não havia desordens nem lágrimas. E assim viviam já há uns tempos perfeitamente em paz de ciclopes.

      Ora foi este Polifemo que os nossos amigos foram encontrar ali.

     Mas voltando à história: já era quase noite, e Ulisses e os seus companheiros resolveram abandonar a gruta e correr até ao navio.

     Precisamente no momento em que começavam a sair, eis que começaram a entrar as ovelhas, as cabras, os carneiros…e o Polifemo. Só tiveram tempo para se esconder atrás deste ou daquele pedregulho, dos muitos que havia espalhados por ali.

     Calculem onde eles tinham ido parar: à própria caverna onde morava o ciclope!

     Quando o Polifemo entrou, trazia um veado morto às costas, que ele tinha apanhado para a sua ceia. Nem reparou nos homens. Foi ordenhar as ovelhas e as cabras, guardou o leite em grandes vasilhas, e depois foi acender uma fogueira no meio da gruta, e nela pôs o veado a assar. Depois, cansado, sentou-se ali no chão.

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      De repente, o que viu ele? Sombras de homens dançando  na parede, mesmo na sua frente, sombras de homens que se escondiam entre a fogueira e a parede…

     Deu um salto e começou a gritar:

“HOMENS…HOMENS…HOMENS…”

     Pegou num grande pedregulho e com ele tapou a entrada da gruta. Depois começou a agarrar um homem, outro homem, e a engoli-los inteiros! E mais outro, e mais outro…

     Os marinheiros começaram a gritar apavorados, e a correr doidamente pela gruta em todas as direcções, e mais facilmente ele os ia apanhando a um e a outro. Os fortes marinheiros pareciam bonecos nas suas mãos brutais, ou uvas que, com os seus dedos peludos ele ia colhendo e depois engolindo sofregamente.

     Ulisses tremia de medo e encolhia-se no seu esconderijo. O pânico tomava conta dos marinheiros e parecia não haver salvação para nenhum. Já uns nove homens tinham desaparecido nas goelas do monstro e já este começava e não querer agarrá-los…

     Agora, já muito empanturrado, só queria era dormir. Dirigiu-se pesadamente para um canto da caverna e ali se sentou.

 

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III A Ciclópia ( 2ª Parte)

     Ulisses, quando o viu mais calmo, saiu do seu esconderijo para lhe falar. E a conversa desenrolou-se assim:

ULISSES – Ouve lá, ouve lá, não me comas, não me comas que eu quero falar contigo.

POLIFEMO – Que é que tu me queres, pigmeu?

ULISSES – Bem… tu já comeste tanta carne humana, com certeza deves sentir sede…

POLIFEMO – Sede?! Tenho, tenho sede…mas se julgas que vou buscar água lá fora para vocês se escaparem daqui, estás muito enganado!

ULISSES – Não é nada disso! É que eu tenho ali um vinho muito bom para ti, mas só to dou a beber se me fizeres um favor…

POLIFEMO – Vinho? O que é isso?

ULISSES – É uma bebida muito agradável. Queres experimentar?

POLIFEMO – Quero. E que favor é que tu vais pedir-me?

ULISSES – Que nos deixes sair daqui vivos, estes poucos que somos já…

POLIFEMO – Olha que ideia! Esse favor não te faço eu. Mas prometo fazer-te um favor que te digo qual é depois de beber o vinho. Dá-me lá esse tal vinho! DÁ-ME ESSE VINHO JÁ, JÁ…

     Ulisses mandou logo que trouxessem o barril de vinho e o estendessem ao ciclope, que o pôs à boca e deu muitos estalinhos com a língua e bebeu tudo até à última gota!

     POLIFEMO – Isto é bom, muito bom mesmo. Foste simpático para mim e por isso vou fazer-te o favor que te prometi. Sabes qual é? Tu vais ser o último de vocês todos que eu vou comer!

ULISSES – O quê? Isso é verdade? Então tu tencionas comer-nos a todos?

     E ele e os outros marinheiros começaram a gritar, a chorar, a pedir em altos brados socorro aos seus deuses.

     Ulisses, no entanto, resolveu ver se conseguia ainda alguma coisa do ciclope, e começou a conversar de novo com ele. Perguntou-lhe por que razão se encontrava ele ali sozinho naquela ilha, e como se chamava. O gigante contou-lhe tudo e disse que se chamava Polifemo. E depois foi a vez de ele perguntar a Ulisses como é que ele se chamava. Ora Ulisses nunca dizia quem era, nunca gostava de dizer o seu nome, e principalmente numa ocasião daquelas, em que, com toda a razão, se via perdido tão desgraçadamente…Que ao menos nunca ninguém soubesse do triste fim que Ulisses, o herói, tinha tido!

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     Então ali de repente tentou lembrar-se de um nome qualquer para enganar o ciclope, um nome qualquer

um nome qualquer

um nome qualquer                                                                                           um nome qualquer

um nome qualquer

um nome qualquer um nome qualquer um nome qualquer um nome qualquer um nome qualquer – mas a aflição era tão grande que não se lembrava de nenhum!

     Polifemo começava a ficar irritado, a ficar furioso:

     - Então não sabes como te chamas? Como te chamas? COMO TE CHAMAS? COMO TE CHAMAS? COMO TE CHAMAS?

     Ulisses, de cabeça perdida, só lhe soube responder:

     - Como me chamo? Como me chamo? Sei lá. Olha, espera, chamo-me…Ninguém.

     POLIFEMO – Ninguém? Que diabo de nome te deram, pigmeu! Por isso tu não o querias dizer. E tinhas razão, lá isso tinhas! Olha que ideia, Ninguém…

     E então, de repente, a cabeça caiu-lhe sobre o peito e adormeceu profundamente.

     Ulisses e os companheiros reuniram-se logo no meio da caverna e combinaram o que haviam de fazer. O pedregulho que tapava a entrada era muito pesado e não conseguiam sequer movê-lo um centímetro. Se matassem o gigante, acabariam por ficar ali fechados para sempre. Mas se conseguissem que fosse o próprio gigante a afastar o pedregulho… E como?

     Bons, primeiro resolveram retemperar as forças perdidas após tantos sustos e tanta aflição. Acabaram de assar o veado e comeram-no, beberam o leite das ovelhas e das cabras e descansaram um pouco. Depois pegaram num tronco de árvore fina que ali encontraram e afiaram-no muito bem na ponta. Nas cinzas da fogueira tornaram essa ponta incandescente. E então, todos à uma, apontando aponta ardente na direcção do único olho do gigante adormecido, exclamaram Um…DOIS…TRÊS! E espetaram o tronco no olho mesmo a meio da testa!

     O ciclope acordou aos urros, e mais furioso ficou quando percebeu que estava cego! Dava pulos tão grandes que batia com a cabeça o tecto

batia coma cabeça nas paredes

nas paredes                                                                                          nas paredes

batia com a cabeça no chão!!!

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     Ainda matou alguns homens com esta sua fúria. No meio da noite cerrada, os seus urros e gritos ecoavam de uma forma tremenda.

     Ele atroava os ares:

     - Acudam, meus irmãos! Acudam, meus irmãos!

     Os ciclopes das outras ilhas acordaram estremunhados e disseram uns para os outros:

     - É o Polifemo que está a chamar por nós, e está a pedir socorro. Temos de ir lá ver o que é, temos de lhe acudir!

     E levantaram-se todos, e deitaram-se todos ao mar, e chegaram todos à porta da gruta onde morava o Polifemo. Chegaram todos à porta da gruta onde morava o Polifemo. Chegaram escorrendo água e frio e ansiedade.

    Disse um: - Metemos o pedregulho dentro!

    Responderam os outros: - Não, não. Olha que ele pode estar com um dos seus ataques de mau génio e nós é que sofremos. Vamos perguntar o que lhe está acontecendo e depois veremos.

     E assim fizeram. A conversa que se seguiu foi esta:

     - Ó Polifemo, o que tens?

     - Ai, meus irmãos, acudam-me, acudam-me!

     - O que foi Polifemo?

     - Ai meus irmãos, acudam! Ninguém quer matar-me…

     - Pois não, Polifemo, ninguém te quer matar.

     - Não é isso, seus palermas! O que eu estou a dizer é que Ninguém está aqui e Ninguém quer matar-me!

     - Pois é, rapaz! É o que nós estamos a perceber muito bem: ninguém está aqui e ninguém te quer matar…

     - Não é isso, seus idiotas!

     E não havia maneira de se entenderem uns com os outros. Quando os ciclopes se aperceberam que o Polifemo estava já muito zangado, dizendo sempre aquelas mesmas coisas que eles já tinham ouvido, escorrendo ainda água e frio se foram retirando para as suas cavernas das outras ilhas, comentando entre si: “Ora esta! Ora esta! Que ideia, no meio da noite cerrada acordar-nos assim para nos dizer que ninguém estava lá e ninguém o queria matar…Coitado, com certeza estava com alguma dor de dentes!”

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     E lá se foram todos embora para as suas cavernas longe. Ulisses estava radiante por ter tido aquela boa ideia de dizer que se chamava Ninguém. Embora entretanto tivesse sofrido um enorme susto ao sentir ali tão perto tantos ciclopes…

     Mas como haviam eles de sair dali? Polifemo continuava a sua lamúria, agora mais calmo: “Não há direito! Fazerem-me isto a mim que sou tão bonzinho! Pois deixe estar, que amanhã nem um só homem sairá desta caverna. Só o meu rebanho é que sai!”

(Fim da 2º Parte)

    

 

 

 

 

    

    

 

 

 

 

 

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